Venezuela mergulhada no caos monetário

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Anonim

Em 5 de dezembro, a nova moeda venezuelana, denominada "bolívar soberano", entrou oficialmente em circulação. A medida levada a cabo pelo governo representa a enésima reforma tentada nos últimos anos com o objetivo de fortalecer uma moeda fraca e profundamente desvalorizada devido à hiperinflação e à falta de reservas.

Com base no exposto, a seguir, comentaremos as causas e consequências desse fato. Ou seja, quais eventos causaram o que o país venezuelano vive agora.

Como tudo começou?

As causas do caos monetário em que a Venezuela está submersa há anos são variadas e complexas. Porém, podemos destacar pelo menos dois deles.

Déficit público estrutural

O primeiro é, sem dúvida, o déficit público, consequência de uma política fiscal decididamente expansiva baseada na multiplicação de entes públicos para direcionar a produção do país e de toda espécie de subsídios sociais. Os subsídios variam de rendas garantidas a preços subsidiados para commodities. O resultado dessas políticas foi um aumento desproporcional nos gastos do Estado. Além disso, é claro, uma economia cada vez mais ineficiente e dependente de injeções periódicas de dinheiro público.

É assim que, durante anos, a economia venezuelana foi acentuando gradativamente sua fraqueza. No entanto, a alta do preço do petróleo nos mercados internacionais permitiu financiar os desequilíbrios. Desse modo, os gastos excessivos da política econômica chavista foram, em certa medida, compensados ​​pela oferta contínua de dólares gerada pelo "ouro negro".

As receitas obtidas desta forma atingiram um máximo de 90.000 milhões em 2008, o que permitiu manter taxas de crescimento económico de 5%, ao mesmo tempo que reduzia a dívida pública e mantinha a inflação em níveis moderados. Moderados, diremos, se os compararmos com os registrados no país nos anos 90. O corolário desses anos de aparente bonança foi a queda do investimento estrangeiro, a contração do setor privado e o aumento da dependência do petróleo. chegou a representar 45% do total do Estado.

Uma reviravolta: queda dos preços do petróleo

Tudo mudou depois de 2015, quando os preços do petróleo começaram a cair nos mercados internacionais e despencaram 77% de seu máximo histórico. O resultado foi uma contração imediata da receita do estado. Que não poderiam ser compensados ​​por aumentos de impostos ou por expropriações de empresas privadas.

A partir de então, as autoridades venezuelanas receberam três estratégias alternativas para equilibrar as finanças públicas:

  • Ajuste fiscal:O primeiro, fazer um ajuste fiscal, era possivelmente inaceitável para a classe dominante do país. Isso significaria reduzir os gastos públicos e, portanto, reverter as políticas implementadas até então. Em última análise, reconhecendo o fracasso de seu programa.
  • Emissão de dívida:A segunda opção foi mais difícil de realizar, uma vez que um requisito essencial para um país poder emitir dívida a um custo razoável é a capacidade de gerar confiança nos investidores internacionais. Algo completamente perdido na primeira década do século XXI. Consequência da execução de inúmeras expropriações de empresas estrangeiras.
  • Monetização da dívida:Isso deixou a monetização do déficit como a única forma possível, o que, como veremos, acabou se constituindo em um verdadeiro desastre no longo prazo.

Foi assim que a economia do país começou a trilhar um caminho não muito diferente daquele escolhido pela fracassada República de Weimar nos anos 1920: enfrentar obrigações insuportáveis ​​(impostas por outros países no caso alemão, pelos próprios políticos no venezuelano) , o Banco Central multiplicou a emissão de moeda sem que esse aumento fosse acompanhado por um aumento proporcional da produção ou por reservas cambiais. A conseqüência foi, portanto, um crescimento excessivo da oferta de moeda em relação à demanda real. O que, como indicam as leis do mercado, só pode ter uma consequência possível: a queda do preço do produto. Nesse caso, o preço da moeda.

Desse modo, as taxas de inflação dispararam e o que hoje podemos chamar de verdadeiro caos monetário começou, testando teorias tão bem estabelecidas quanto a curva de Phillips. Os primeiros produtos que praticamente desapareceram da vida dos venezuelanos foram importados naturalmente. Mas logo, a escassez também se espalhou para os nacionais devido à pouca diversificação da economia do país. Isso, em conseqüência do controle de preços por parte do governo, que desestimulou a produção ao obrigar os empresários a vender a preços abaixo dos custos de produção.

De lá para cá, os preços dispararam, gerando um verdadeiro estado de hiperinflação, onde a última estimativa da Bloomberg - o governo já parou de publicar dados completos sobre o nível geral de preços - fala de 43,378% nos últimos doze meses, com projeção de 482,153% para o próximo ano. As previsões do FMI também não são mais otimistas. Assim, segundo a organização internacional, a inflação na Venezuela pode fechar em 1.370.000% este ano e ultrapassar 10.000.000% em 2019.

Reformas de moeda e criptomoeda

A reação do governo ao caos monetário tem sido complexa, às vezes contraditória, e poderíamos até dizer contraproducente. Nos últimos anos, as autoridades venezuelanas implementaram uma série de reformas monetárias que falharam sucessivamente:

  • 2008: Neste ano o bolívar foi alterado para “bolívar fuerte” (retirando 3 zeros do valor nominal da moeda)
  • 2016: As notas de denominação mais elevada ficaram fora de circulação: 100 bolívares fortes. Um mês depois, sua validade foi restaurada por 1 ano e meio.
  • 2018: Em maio de 2018, a nova moeda foi introduzida: o bolívar soberano. Desta vez, removendo 5 zeros do valor de face.

A última ocorrência da política monetária bolivariana foi a introdução do Petro, uma criptomoeda cujo valor é supostamente respaldado pelas abundantes reservas de petróleo do país. Dessa forma, preços e salários seriam denominados em moeda mais estável e não sofreriam os efeitos de uma desvalorização contínua como ocorre até agora.

O problema dessa solução - salvando a evidente contradição que uma criptomoeda oficial apresenta, quando moedas desse tipo justamente têm sua razão de ser no fato de não serem controladas por nenhum governo - é que embora o valor de um petro seja equivalente a de um barril de Brent, é denominado em dólares. O que significa que qualquer movimento de alta nos preços do petróleo necessariamente desvalorizará a moeda nacional. Da mesma forma, o fato de o bolívar não poder negociar livremente nos mercados, e de só poder fazê-lo com o dólar por meio do petro, não atrai confiança (o preço dessa moeda fica a critério do próprio governo )

Há uma solução?

Enquanto isso, a situação humanitária se deteriorou terrivelmente. Mais de 4 milhões de pessoas já deixaram o país devido à grave escassez de alimentos. Tendo recorrido à sua enésima reforma monetária, o governo continua a fazer manchetes com ocorrências cada vez mais extravagantes como o “Plano Conejo” ou o “Plano Nacional de Poupança”.

O Plano Coelho consistia em pedir aos cidadãos que criassem esses animais em casa para contribuir com a produção nacional de alimentos. Por sua vez, o Plano Nacional de Poupança incentivou a população de um país a adquirir folhas de ouro onde o salário mínimo não é suficiente para comprar uma lata de atum. Tudo isso nos leva à conclusão óbvia de que uma melhoria na economia seria praticamente impossível sem uma mudança política.

A solução estará na mudança política?

Infelizmente, o domínio da política está fora do escopo desta publicação. Sobre o que podemos nos permitir refletir.

Se a economia venezuelana sofre hoje, não é exclusivamente por fatores econômicos, mas sim por políticas que não funcionaram. O aumento da proeminência do Estado como ator econômico, embora pudesse ter trazido benefícios aparentes nos primeiros anos, acabou vinculando a economia à política de tal forma que hoje ambas parecem realidades indissociáveis. Diante disso, é inútil falar das reformas que a Venezuela poderia realizar para avançar, se as decisões não forem tomadas pelos cidadãos nos mercados, mas pelos burocratas de seus escritórios.

Esse é o preço de entregar o controle da economia à classe política e, assim, entrar em um círculo de intervenção e arbitrariedade do qual é quase impossível sair, já que muitos governantes não abrem mão de boa vontade das cotas de poder que já existem. adquirido. Por isso, e independentemente da solução política mais conveniente para o país, no que diz respeito à econômica podemos assegurar uma coisa: deve passar necessariamente pela despolitização da economia.