Turquia: uma nova crise internacional?

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Turquia: uma nova crise internacional?
Turquia: uma nova crise internacional?
Anonim

A lira turca afunda em ações e ameaça arrastar outros mercados emergentes. Estamos diante do início de uma nova crise financeira?

Desde o início de agosto, a desvalorização da moeda turca vem aumentando, causando grandes prejuízos aos bancos que decidiram investir no país. A magnitude do problema já preocupa muitos analistas que alertam para o risco de uma nova crise financeira, mas o que realmente podemos esperar desse fenômeno? Neste artigo analisaremos a origem da crise na Turquia, bem como suas consequências e os riscos de contágio para o resto do mundo.

A economia mais europeia do Oriente Médio?

A evolução da economia turca no século 21 não difere muito daquela experimentada pelo resto dos chamados "emergentes": uma moeda desvalorizada, mão de obra barata e abundantes recursos naturais prometiam o terreno ideal para os empresários europeus e americanos. reduzir seus custos de produção, e assim esses países foram grandemente beneficiados por um longo processo de realocação industrial. Com a chegada da crise econômica, essa tendência se estendeu também aos mercados financeiros, uma vez que os investidores passaram a ter maior tendência a comprar títulos de países emergentes, compensando assim a queda dos rendimentos nos Estados Unidos e na Europa. Em última análise, tratava-se de apostar em mercados novos e em crescimento, obtendo ainda mais benefícios ao preço de assumir riscos maiores.

Por outro lado, alguns fatores como a posição estratégica entre a Ásia e a Europa, a abertura comercial e o controle de oleodutos e gasodutos permitiram A Turquia se beneficiaria particularmente com o offshoring. Dessa forma, o PIB nominal triplicou desde 2000, e setores como o têxtil, metalurgia ou construção civil viveram um período de crescimento sem precedentes na história do país.

Outro grande beneficiário do influxo de capitais estrangeiros tem sido o setor público, uma vez que a capacidade de contrair empréstimos a taxas de juros mais baixas tem permitido a sucessivos governos aumentar os gastos sociais e financiar a construção de inúmeras infraestruturas que podem tirar o país do atraso secular.

É assim que parecia funcionar por muitos anos um círculo virtuoso perfeito: os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos estavam imprimindo cada vez mais dinheiro, reduzindo as taxas de retorno nos mercados domésticos e gerando um excesso de liquidez contínuo colocado em mercados emergentes, entre os quais a Turquia se classificou em alta. Uma vez no país, as capitais estimularam o crescimento e a geração de empregos, impulsionando o consumo interno e as exportações. Mesmo a única objeção que costumava ser feita ao modelo (o aumento constante da dívida externa) não parecia ter muita importância, uma vez que um fluxo cada vez maior de divisas fortalecia a lira turca e, portanto, o efeito do endividamento estava em pelo menos parcialmente mitigado. Parecia a receita definitiva para o sucesso, o que explica por que nenhum governo nesses anos pensou em mudar o curso da política econômica. Afinal, o que pode dar errado?

Problemas em mercados emergentes

A sustentabilidade do modelo dependia exclusivamente da continuação da entrada de capitais dos mercados financeiros internacionais, e que o fazia a um ritmo cada vez maior.

Embora possa nos surpreender a rapidez com que as perspectivas para a economia turca mudaram, a verdade é que os primeiros sinais de fraqueza começaram a se manifestar no verão de 2015, com os choques que assustaram os investidores do mercado acionário chinês. Embora o problema felizmente não tenha infectado muito a Turquia, nos mercados emergentes já estava um certo cansaço começava a ser percebido após anos de sobreinvestimento ao mesmo tempo em que se ouviam os primeiros alertas sobre o retorno do espectro da volatilidade financeira.

Desde então, a economia turca parecia manter sua boa saúde, mas era cada vez mais evidente que a situação econômica internacional estava se tornando mais adversa. A queda das importações chinesas, a manutenção dos preços do petróleo relativamente baixos e a desaceleração do crescimento da oferta de moeda na Europa e nos Estados Unidos foram os principais problemas para as economias de baixo valor agregado e totalmente dependentes tanto das exportações quanto das exportações. O Brasil foi o primeiro a cair em 2014. A Turquia ainda conseguiu fechar aquele ano com crescimento excepcional (8,91%), mantendo um grande déficit em conta corrente (4,67% do PIB), o que revelou uma terrível fragilidade de seu modelo de produção: apesar do exponencial aumento na produção as exportações ainda eram insuficientes para ser um verdadeiro motor de crescimento. Afinal, a sustentabilidade do modelo dependia exclusivamente da continuação da entrada de capitais dos mercados financeiros internacionais, e que o fizessem a um ritmo cada vez maior, pois, caso contrário, a sustentabilidade da dívida externa poderia ficar seriamente comprometida.

Mas se o equilíbrio externo era frágil, o interno não era muito mais estável: fluxos de capital desencadearam inflação (em 2017 os preços haviam se multiplicado por 14 em relação a 2000), o que obrigou o Banco Central a elevar gradativamente as taxas de juros para conter a alta dos preços. O problema é que isso gerou um diferencial ainda maior com as taxas vigentes na Europa e nos Estados Unidos, o que incentivou os bancos turcos a tomarem empréstimos em moeda estrangeira para ampliar o volume de crédito no mercado interno. O resultado, como poderia ser de outra forma, foi uma bolha de crédito que deteriorou substancialmente a solvência das instituições financeiras do país.

No gráfico superior, podemos observar as principais variáveis ​​macroeconômicas que compõem esse círculo vicioso. Como se pode ver a olho nu, há uma correlação evidente entre o crescimento, a inflação e o déficit em conta corrente (talvez não tão claro no caso do investimento estrangeiro, mas deve-se levar em conta que este não capta fluxos de capitais significativos como as transações de câmbio), o que mostra a dependência externa da economia turca para crescer ao preço de aumentar o endividamento e sofrer pressões inflacionárias. Como comentamos anteriormente, a origem da crise atual tem sido possível devido à expansão excessiva do crédito, impulsionada por sua vez por taxas de juros que mal acompanharam a inflação e pelo excesso de liquidez do exterior.

A crise turca

A todos esses problemas foi adicionado um terceiro fator que se revelou decisivo para a eclosão da crise turca: desde o início de 2018, as taxas de juros nos Estados Unidos voltaram a subir depois de quase uma década em níveis mínimos, que incentivos reduzidos ao investidor assumir mais riscos em troca de lucratividade. Em outras palavras, não era mais necessário investir em títulos muito mais voláteis para obter retornos mais elevados, o que causava uma movimentação significativa de capitais dos mercados emergentes para os Estados Unidos. O problema atingiu diretamente a economia argentina (a tal ponto que o governo foi forçado a recorrer a um empréstimo de emergência do FMI), mas outras moedas emergentes como a rupia indonésia ou a lira turca também foram arrastadas pelo mesmo efeito. e sofreu quedas nos mercados.

Talvez por um momento alguns analistas tenham pensado que o colapso do peso argentino só poderia afetar colateralmente a economia turca como já havia acontecido com a bolsa chinesa em 2015, ou seja, nada que uma breve intervenção do banco central não pudesse resolver: quedas poderia ser visto moeda por algumas semanas, mas logo depois tudo voltaria ao normal. No entanto, o gatilho final da crise foi imediato: após a imposição de sanções a membros do governo turco, em 10 de agosto Donald Trump tarifas dobradas sobre as importações aço e alumínio, o que foi um duro golpe para as exportações turcas para os Estados Unidos.

A reação do mercado a um país que já gerava dúvidas entre os investidores foi de um movimento maciço para posições curtas, causando quedas acentuadas na Bolsa (quase 50% desde o início do ano) e na lira (37,81%). A recusa inicial do governo em negociar com Trump e retificar a política econômica só serviu para alimentar ainda mais a desconfiança gerada pelo país.

Até agora, a resposta das autoridades turcas (cujo presidente se recusou, em parte por razões religiosas, a aumentar as taxas de juros) tem sido limitada, aumentando as restrições às operações em moeda estrangeira, reduzindo os rácios de reserva de moeda estrangeira. Entidades financeiras e injetando liquidez no mercado. No entanto, isso não impediu que a lira continuasse depreciando a uma taxa alarmante, nem que os principais bancos europeus e norte-americanos estejam pagando sua exposição às ações turcas com quedas nas bolsas. Em alguns casos, como o BBVA (dono de 49,85% do Garanti, o segundo maior banco da Turquia), as perdas já chegam a 21% do seu valor na bolsa.

Existem riscos de contágio?

A verdade é que a inação do governo (que continua culpando por tudo uma suposta conspiração internacional liderada pelos Estados Unidos) e sua recusa em retificar os erros cometidos continua a perturbar os mercados. Caso sejam tomadas medidas, muito provavelmente será um aumento das taxas de juros (para estimular o investimento em moeda nacional e desacelerar a expansão do crédito), mas diante das circunstâncias é difícil que isso seja suficiente: a Argentina já o fez. em maio deste ano enfrentou um problema muito semelhante e mesmo assim foi forçado a pedir ao FMI o maior empréstimo de sua história (50 bilhões de dólares). Assim, não se pode excluir que a Turquia também possa pedir ajuda a este organismo num futuro não muito distante. Também não devemos esquecer medidas mais extremas, como maiores restrições à saída de capitais ou a imposição de um corralito financeiro.

Las perspectivas para la economía turca no son por tanto las mejores, a menos que el gobierno decida rectificar y emprender un amplio programa de reformas que permita recuperar la confianza de los inversores a la vez que corrige los desequilibrios del cuadro macroeconómico (lo cual parece improbable a curto prazo). Consequentemente, é natural que surjam dúvidas sobre o perigo de que o afundamento da lira arraste para baixo outras moedas emergentes e acabe dando origem a uma nova crise financeira internacional. Essas especulações não são infundadas: o rublo russo, o rand sul-africano e o peso mexicano também sofreram fortes quedas até agora em agosto.

No entanto, também há motivos para otimismo. Em anos anteriores, outros mercados emergentes do tamanho da Argentina ou do Brasil sofreram fortes desvalorizações em suas moedas e isso não significou nada como uma repetição da falência do Lehman Brothers. Mesmo um gigante como a China também tinha um verão negro no mercado de ações em 2015 sem causar sérios problemas ao resto da economia mundial.

Em conclusão, podemos dizer que ver na Turquia o desencadeamento de uma nova crise financeira internacional talvez seja algo precipitado por enquanto, mas o que parece certo é que será. ponto de viragem na história do país. Como um verdadeiro reflexo de sua posição geográfica, por muitos anos a economia turca combinou os avanços do capitalismo ocidental com a fusão das esferas política, social e religiosa tão típicas do mundo islâmico. Agora, com uma moeda em queda livre e um presidente congelado na imobilidade, os turcos parecem forçados a escolher: lançar as reformas que os investidores estão pedindo, negociar com Trump e manter seus laços com a Europa ou seguir o caminho do populismo e isolamento, atribuindo a culpa de todos os problemas às conspirações ocidentais. Deve decidir, mais uma vez, entre a Europa e o Oriente Médio, o destino que um país que estende suas fronteiras por dois continentes parece condenado.