O Fundo de Reserva complica ainda mais as pensões na Espanha

Em primeiro lugar, não há dúvida de que o aumento do desemprego (que passou de 7,95% em 2007 para 20% hoje) como consequência direta da crise teve um duplo efeito: por um lado, ao destruir empregos, empregos diminuiu as contribuições, enquanto o crescimento do número de desempregados significou mais demanda por benefícios de desemprego. Em outras palavras, a queda do emprego significou para a Previdência Social redução da renda e aumento das despesas. É assim que a continuidade do superávit do sistema se transformou, desde 2010, em um grave déficit crônico. Em termos de sustentabilidade, na Espanha o número de pessoas ocupadas caiu para 17,8 milhões no segundo trimestre de 2016 (contra 20 em 2007), enquanto os aposentados aumentaram 1 milhão (de 7,5 para 8,5 no mesmo período). Isso significa que o país passou de 2,7 contribuintes para 2,1 para cada aposentado.

No entanto, o nível agregado de emprego (bem como a relação entre contribuintes e pensionistas) não pode, por si só, explicar o estado de déficit da Previdência Social. Se assim fosse, a criação líquida de empregos dos últimos três anos provavelmente teria corrigido o problema (pelo menos parcialmente), mas foi justamente nesse período que o Fundo de Reserva mais diminuiu. O motivo não é outro senão redução dos salários reais (com queda de 2,7% no setor privado) ocasionada, por sua vez, pela maior flexibilidade do trabalho, pelo aumento dos contratos temporários e de meio período e porque os setores de maior valor agregado (como tecnologia) continuam relativamente fracos no Economia espanhola como um todo, deixando a maior parte da criação de empregos nas mãos de setores (como o turismo) com baixas qualificações e baixos salários. É assim que a evolução da economia nos últimos anos tem levado a um processo de desvalorização interna, que acabou reduzindo as receitas das contribuições por estarem diretamente vinculadas aos salários.

Por outro lado, se a destruição do emprego e a desvalorização interna desestabilizaram o sistema no curto prazo, existe um fator de risco muito maior no longo prazo, que é a evolução da própria população espanhola. Nas últimas décadas, A Espanha passou por uma profunda transformação demográfica que transformou um país predominantemente jovem em um país cada vez mais envelhecido, onde as mortes já começam a exceder os nascimentos. Nesse sentido, se em 1963 (ano de desenho do atual sistema previdenciário) os menores de 19 anos representavam mais de 35% da população, hoje não chegam a 19%. Ao contrário, os maiores de 65 anos passaram de 3,8% para 14% no mesmo período. Não se trata apenas de um aumento da expectativa de vida, mas de uma queda na taxa de natalidade que nem mesmo garante a mudança geracional. Se a isso somarmos outros fatores como a emigração de jovens (com o agravante de que quem sai do país costuma ser também os trabalhadores mais qualificados), o resultado é um sistema insustentável a longo prazo e cuja deterioração se acelerou devido à a crise econômica.

Por último, a gestão do Fundo de Reserva também suscitou dúvidas, uma vez que a maior parte dos recursos (atingindo 97% em 2012) estão investidos na dívida pública espanhola. Isto implica não só um maior risco devido à falta de diversificação, mas também um importante custo de oportunidade num ambiente de baixas taxas de juro e subida dos preços das obrigações, evidenciado pelo facto de Espanha já emitir títulos de dívida com rentabilidade negativa. Em conclusão, a utilização do Fundo para financiar o défice do Estado tem impedido a aplicação desses recursos em outros ativos mais rentáveis, limitando assim os rendimentos do sistema.

Diante de uma situação tão crítica como a atual, os economistas têm assumido posições diferentes. Os mais críticos consideram que o sistema de pensões é em si instável, pois a sua sustentabilidade a longo prazo não se baseia nos benefícios que consegue obter com os seus próprios recursos mas com os contributos de novos contribuintes: uma estrutura que, salvando as diferenças , parece perigosamente com golpes de pirâmide, onde os benefícios dos acionistas não advêm da rentabilidade gerada, mas sim das entradas de novos investidores. O problema é que esses sistemas geralmente entram em colapso quando os investidores interessados ​​não são mais encontrados e, portanto, é impossível retribuir aos acionistas. Nessa visão, a Previdência Social estaria na mesma situação (visto que as contribuições dos novos contribuintes diminuíram) e a única solução possível seria substituir definitivamente o atual sistema de repartição por outro sistema de capitalização.

Uma abordagem alternativa seria manter o sistema atual, embora reformando alguns de seus aspectos essenciais. As propostas vão desde a criação de novos tributos até o aumento das contribuições sociais, passando por diversas fórmulas de distribuição de despesas entre Governo e Previdência Social. Existem também modelos mistos de repartição e capitalização (como os aplicados na Alemanha e na Holanda) que podem garantir uma transição segura para um sistema mais sustentável.

Finalmente, a diminuição progressiva do número de nascimentos parece reivindicar um maior impulso para a taxa de natalidade. Em alguns países europeus, foram implementados planos de longo prazo que incluem benefícios de maternidade, políticas de conciliação familiar e incentivos para famílias numerosas. Em Espanha, porém, a questão parece estar longe do debate económico e os recursos atribuídos às políticas familiares representam apenas 1,3% do PIB (a média europeia é de 2,2%), enquanto o novo quadro de emprego (com 46,48% de desemprego juvenil , empregos temporários mais longos e salários mais baixos) é um freio à criação de novas famílias.

Em qualquer caso, independentemente das deficiências do sistema atual, é claro que uma população ativa envolvida em atividades de baixo valor agregado será incapaz de garantir um padrão de vida suficientemente alto para a população inativa a longo prazo, e menos ainda se a relação numérica entre um e outro continuar diminuindo. O exemplo da Grécia mostra que uma das economias mais atrasadas da zona do euro era incapaz de pagar pensões que representavam até 96% dos salários de trabalho (aposentados alemães, por exemplo, não chegam a 70%). A razão é que, simplesmente, a força de trabalho não gerou o excedente necessário para financiar esses benefícios. O caso grego pode servir de alerta para a Espanha procurar uma solução para o problema das pensões através de um aumento da produtividade e do valor acrescentado que permita, ao mesmo tempo, um aumento do emprego e dos salários. Hoje a maioria dos agentes políticos espanhóis está em busca de novas fórmulas de distribuição e se propõe a continuar aumentando a carga tributária sobre um setor privado já fortemente afetado pela desvalorização interna. Mas, infelizmente, quando uma economia é incapaz de gerar riqueza, como distribuí-la é irrelevante.

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