Venezuela: uma exceção à curva de Phillips?

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Em maio passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou seu relatório mensal sobre a evolução da economia mundial, incluindo suas projeções para todos os países. Entre eles, destacam-se as estimativas do futuro da Venezuela, com uma inflação de 481,5% neste ano e 1.642,8% em 2017 e o desemprego que crescerá para 17,4% e 20,7%, respectivamente. Se essa tendência se confirmar, o caso venezuelano pode se tornar uma exceção à regra geral estabelecida pela curva de Phillips.

Essa teoria, desenvolvida pelo professor Williams Phillips em 1958, tornou-se um dos pilares do pensamento econômico moderno e estabelece a relação inversa entre inflação e desemprego no curto prazo. Dessa forma, admite-se o efeito positivo de um maior nível de preços sobre a atividade econômica, uma vez que a inflação estimularia a demanda agregada, o que se traduz em aumento da produção e redução da taxa de desemprego. Pelo contrário, uma política anti-inflacionária (que normalmente se traduz em políticas monetárias restritivas) irá desacelerar o crescimento e destruir empregos.

É evidente que, seguindo essa premissa, poderíamos deduzir que o mais conveniente para um governo é gerar inflação indefinidamente e, assim, acabar atingindo o pleno emprego. O problema é que, como mostra o próprio modelo, há uma curva de Phillips de longo prazo que não é descendente, mas vertical. Isso significa que, passado o efeito inicial de um aumento de preços, os agentes econômicos adaptarão suas decisões à nova situação e o desemprego voltará ao nível inicial.

Há também outro fator de grande importância, que está na origem do próprio modelo: os trabalhos do professor Phillips baseiam-se em estudos sobre a inflação e o desemprego no Reino Unido entre 1861 e 1957, país cuja economia sempre se caracterizou pelo caráter monetário. estabilidade (com exceção dos efeitos de distorção das guerras mundiais). Em outras palavras, a relação inversa entre o nível de preços e a taxa de desemprego não seria válida quando a inflação ultrapassasse certos níveis.

A verdade é que não faltam casos de hiperinflação na história econômica: a Alemanha na República de Weimar, a América do Sul nos anos 1980 e a Iugoslávia nos anos 1990 mostram que o crescimento descontrolado dos preços acaba reduzindo ao mínimo o poder de compra dos cidadãos, portanto. o que (somado à distorção dos mercados, que impede seu normal funcionamento) acaba afetando a demanda agregada e destruindo o tecido produtivo do país. Hoje só podemos encontrar dois casos análogos: o Zimbábue, com uma porcentagem de inflação que chegou a ser contada na casa dos trilhões, e a Venezuela. Levando em consideração que o país africano ainda sofre as consequências de uma guerra civil que destruiu completamente sua economia (e portanto não seria possível compará-la com outros), o caso venezuelano é o melhor exemplo de um processo hiperinflacionário causado em grande parte por uma interpretação errônea (como discutimos antes, acreditando que os aumentos de preços podem reduzir o desemprego indefinidamente) da curva de Phillips.

Outro problema agregado é a origem da inflação venezuelana, o que pode ajudar a entender sua tendência de alta nos últimos anos. Nesse sentido, é importante observar que, em uma economia de mercado, os preços podem subir principalmente por dois motivos: um aumento na demanda ("inflação de demanda") ou uma redução na oferta ("inflação de custos"). A Venezuela, a princípio, parece ter sofrido o primeiro caso, com a continuidade do recurso à monetização dos gastos públicos. Porém, com o passar do tempo, a intervenção estatal nos mercados, a paralisação dos investimentos e a recessão econômica levaram a uma queda da produção que acabou gerando uma inflação de custos, muito mais prejudicial do que a anterior. Por outro lado, a reação do governo está longe de ter resolvido o problema: controles de preços arruinaram muitos pequenos empresários e acabaram desestimulando a produção, enquanto aumentos salariais e políticas de expansão fiscal (por aumento da política monetária de oferta em um país cujos mercados reais estão em recessão ) servem apenas para aumentar a inflação do combustível. Por fim, a excessiva dependência do petróleo e seus preços em mínimos históricos também agravaram a situação, já que a redução das reservas em dólares acabou provocando o colapso do peso venezuelano, com o conseqüente aumento do preço de todos os produtos fabricados no exterior.

Como exemplo de inflação de demanda, podemos observar a evolução do desemprego na Venezuela durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 2013 (segundo, terceiro e quarto trimestres de 2012 e primeiro de 2013), marcada por uma recuperação da inflação estimulada por um forte aumento dos gastos públicos. Com algumas exceções (tanto a inflação quanto o desemprego caíram em maio de 2012), pode-se concluir que houve uma relação inversa entre o crescimento dos preços e o desemprego. No entanto, a análise feita para um período de três trimestres (segundo, terceiro e quarto trimestres de 2012) mostra que à medida que nos aproximamos do prazo de um ano, a tendência tende a moderar e até inverter, com um último trimestre (primeiro 2013) onde a inflação e o desemprego aumentaram. Essa evolução mostra que, de fato, a curva de Phillips na Venezuela era descendente no curto prazo mesmo com níveis elevados de inflação anual (em dezembro de 2012 já era de 20,07% ao ano).

Porém, em uma perspectiva de longo prazo, vemos que a curva não é vertical, mas ascendente, ou seja, a economia cria inflação ao mesmo tempo que destrói empregos. Os efeitos dessa combinação de fatores (escassez, pobreza, tensão social) são facilmente previsíveis e já estão presentes na vida dos venezuelanos.

Em suma, a economia venezuelana vive agora um círculo vicioso inflacionário: com a queda das reservas em dólares, o preço da moeda nacional (bolívar) cai e os preços dos produtos importados sobem. Para resolver isso, o Governo recorre a aumentos nos gastos públicos e revisões salariais (o que aumenta a demanda agregada), mas ao mesmo tempo impõe controles de preços (desestimulando a produção e, portanto, reduzindo a oferta). A combinação desses fatores leva a mais inflação, que por sua vez requer mais emissões de dinheiro público e aumentos salariais, alimentando o círculo. Enquanto isso, um crescimento cada vez mais descontrolado dos preços impede qualquer tipo de investimento no país (já que se distorce a percepção dos custos e da rentabilidade de longo prazo), o que também contribui para a diminuição da oferta e a perda de empregos: assim a Venezuela conseguiu inverter a curva de Phillips.

A teoria econômica geralmente estabelece uma relação inversa entre inflação e desemprego, mas como mostram os processos hiperinflacionários, pode haver exceções quando há aumentos exponenciais nos preços. O caso venezuelano mostra que o recurso tradicional do gasto público para estimular a demanda não funciona se for financiado pela emissão de dinheiro novo e não for acompanhado de aumentos de produção. Ao contrário, o resultado é uma inflação que acabou destruindo o sistema produtivo do país e empobrecendo sua população. Por outro lado, tradicionalmente se considera que as políticas antiinflacionárias tendem a punir o crescimento e a geração de empregos. Porém, diante dos efeitos das políticas expansionistas sobre a economia venezuelana (cuja recessão foi de 5,7% em 2015, com previsão de aprofundamento para 8% em 2016 e 4,5% em 2017) poderíamos nos perguntar: Será que uma política restritiva para a Venezuela ser tão ruim?