A crise de saúde do coronavírus colocou a economia global à prova e muitos países recorreram ao controle de preços, mas essas medidas realmente funcionam? Eles são capazes de evitar a inflação e a escassez?
A propagação da pandemia COVID-19, naturalmente, tem desencadeado a demanda global por produtos relacionados à prevenção do contágio, especialmente luvas, máscaras e material desinfetante desde o início do ano.
Em muitas ocasiões, esse aumento não pôde ser seguido por um crescimento equivalente na oferta, o que resultou em um forte aumento dos preços. Esta nova situação tem levado muitos governos (Espanha, Malásia ou Argentina são exemplos disso) a impor preços máximos para a venda de alguns produtos.
Teoricamente, com o intuito de evitar especulações e garantir que mesmo pessoas com menos recursos possam acessá-los. No entanto, também existem vozes críticas que argumentam que esses tipos de medidas só vão gerar escassez.
Neste artigo, analisaremos os efeitos dos controles de preços sobre a oferta, tanto da teoria quanto da experiência econômica.
Por que controlar os preços?
O controle de preços pode soar como uma novidade para as pessoas acostumadas à vida em uma economia de mercado.
No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade. Os controles de preços são tão antigos quanto algumas das primeiras civilizações. Seus primeiros vestígios são encontrados no Código de Hamurabi (Babilônia, 4.000 aC) com precedentes muito bem documentados nos decretos do imperador Diocleciano (Roma, século III dC), que terminaram em retumbante fracasso. Na verdade, é algo tão simples como forçar os empresários a vender um determinado produto a um preço definido com antecedência pelas autoridades econômicas. Então, às vezes, essa modalidade pode ser um pouco mais flexível e estabelecer um preço mínimo ou máximo, mas o conceito é essencialmente o mesmo.
Os motivos podem ser muito diversos e ajudam-nos a compreender as medidas aplicadas em cada caso.
Se o propósito é beneficie o empresário A modalidade costuma ser preços fixos ou mínimos acima dos preços normais que seriam pagos no mercado, pois se fossem iguais ou inferiores à medida não teriam efeito real: é o caso de muitos produtos agrícolas que são produzidos. e vendidos na União Europeia e são regulamentados pela Política Agrícola Comum (PAC).
Pelo contrário, se o que se pretende é melhorar o bem-estar do consumidor, os preços fixos ou máximos serão estabelecidos abaixo do nível que determinaria a evolução da oferta e da demanda. A venda de máscaras, hoje regulamentada por governos em tantos países ao redor do mundo, é um claro exemplo dessa política.
Da Roma de Diocleciano à Argentina hoje, os controles de preços falharam em evitar a inflação, a escassez ou o mercado negro.
Em defesa do controle de preços
Os defensores da necessidade de tetos de preços costumam argumentar por duas razões principais.
☑️ Em primeiro lugar, impor limites aos aumentos de preços pode ajudar conter a inflação, o que permitiria estabilizar setores e até economias inteiras que sofrem grandes desequilíbrios.
☑️ Por outro lado, uma flutuação livre de preços em um contexto em que a oferta não é capaz de aumentar na mesma taxa que a demanda geraria especulação, o que deixaria todos os compradores que não têm poder aquisitivo fora do mercado o suficiente para pagar preços em constante crescimento.
No contexto da COVID-19, este argumento assume especial relevância, uma vez que a necessidade humana e sanitária de toda a população (mesmo nas camadas mais pobres) de acesso a materiais de prevenção parece tornar o controle de preços imprescindível que impedir a atividade de especuladores.
A venda de máscaras, por exemplo, foi regulamentada em muitos países estabelecendo preços máximos por esse motivo. No entanto, os resultados são tão díspares que impedem conclusões claras a priori: Embora as medidas tenham funcionado na Coréia do Sul e em Taiwan, na Espanha e na Argentina elas não impediram a escassez em alguns momentos da crise.
Contra o controle de preços
Portanto, embora existam razões que poderiam argumentar a necessidade de controles de preços especialmente em situações excepcionais como a atual, da teoria econômica como um estudo da ação humana também podemos encontrar razões que nos levam a conclusões opostas.
☑️ Em primeiro lugar, a existência de preços máximos abaixo daqueles que os consumidores estão dispostos a pagar irá gerar incentivos para que acumulem o máximo possível, o que por si só representa um estímulo artificial para exigir. Dessa forma, as vendas dispararão ainda mais, os estoques das empresas se esgotarão mais rapidamente e, eventualmente, haverá escassez. Podemos visualizar essas situações de escassez com as imagens de longas filas nos pontos de venda que se tornaram frequentes em países como a Venezuela, já que a disponibilidade costuma ser tão baixa que só os primeiros a chegar podem comprar o produto que procuram, saindo do o resto fora do mercado, independentemente de quanto estivessem dispostos a pagar.
☑️ Em segundo lugar, sob a premissa de cetheris paribus (isto é, onde pelo menos no curto prazo o preço dos fatores de produção permanece constante) as empresas verão suas receitas reduzidas enquanto seus custos não se ajustam, o que inevitavelmente implicará em um queda na margem de lucro. Em alguns casos, se o preço definido for baixo o suficiente, os empresários ficarão abaixo do limite de equilíbrio, que vai desestimular a produção do setor. Mesmo na hipótese mais otimista de preços perfeitamente elásticos para baixo dos fatores de produção, isso só poderia ocorrer se houvesse uma redução da oferta em maior ou menor grau, o que também causaria uma situação de escassez.
Ao contrário, um mercado onde os preços podem ser formados livremente e refletem tanto as preferências reais dos consumidores quanto as possibilidades de produção das empresas pode resolver esses problemas. Nesse sentido, é importante lembrar que (novamente ceteris paribus) um aumento na demanda pressiona os preços de venda para cima, o que aumenta a margem de lucro. Desta forma, são gerados incentivos para que as empresas maximize o seu volume de produção (trabalhar mais horas, contratar mais pessoal, instalar máquinas, etc.) e até mesmo para investimentos vindos de outros setores da economia, atraídos pela maior rentabilidade oferecida. A única objeção possível a este raciocínio seria que o aumento na demanda por fatores de produção levaria a um aumento em seus preços que acabaria por anular a melhoria nas margens de lucro, mas essa suposição só poderia ser considerada válida se o fornecimento de Esses fatores eram completamente rígidos, o que não acontece na maioria dos mercados.
O milagre econômico alemão
Vejamos o exemplo da Alemanha do pós-guerra. A priori, a situação alimentar de um país devastado pelo maior conflito bélico do século XX era desesperadora, pois sua população, embora reduzida, continuava demandando as necessidades básicas para sua subsistência, enquanto o tecido produtivo praticamente desaparecia.
O milagre econômico alemão começou ao mesmo tempo em que os controles de preços foram abolidos
Em termos econômicos, podemos dizer que a oferta caiu em uma proporção muito maior do que a demanda. As autoridades militares das forças de ocupação aliadas tentaram amenizar a crise com distribuição de alimentos e fixação de preços máximos, mas não conseguiram evitar a escassez ou a ampliação de um grande mercado negro. Assim se passaram os três primeiros anos do pós-guerra, um dos mais difíceis da história alemã contemporânea.
No entanto, em 18 de junho de 1948, o ministro das Finanças alemão, Ludwig Erhard, removeu a maioria das restrições aos preços, enquanto promulgava uma reforma monetária com o objetivo de restaurar a confiança na moeda do país.
O efeito foi quase imediato, uma vez que a imensa oportunidade de negócios envolvida no abastecimento de uma enorme população carente por meio do aumento dos preços desencadeou a produção de bens de primeira necessidade.
Graças aos novos incentivos, as horas trabalhadas foram aumentadas e chegaram novos investimentos que permitiram aumentar ainda mais a capacidade produtiva, com o que progressivamente os mercados foram inundados com produtos que antes eram escassos. Desse modo, em poucos anos, acabou-se a escassez na Alemanha, sem dar origem a especuladores ou tensões inflacionárias, já que a alta dos preços foi moderada no médio prazo devido a uma evolução igualmente positiva da oferta.
A liberação de preços de Erhard, portanto, tornou-se a pedra fundamental do milagre em alemão.
Controle de preços durante o coronavírus
A teoria econômica nos mostra, portanto, que a existência de sistemas de formação de preços livres não necessariamente deixa os consumidores fora do mercado ou gera inflação, mas aumenta o volume de produtos que são disponibilizados aos compradores.
No entanto, a condição para que esta suposição seja válida é que a oferta é elástica. Ou seja, que os empresários tenham a possibilidade de aumentar seus níveis de produção, que os recursos financeiros da economia possam movimentar-se livremente de um setor a outro para que cheguem os investimentos e que não haja barreiras à entrada de novos competidores no mercado.
Por que então os controles de preços funcionaram em Taiwan e na Coréia do Sul? Simplesmente porque os desincentivos à oferta foram compensados por uma redução artificial da demanda: o racionamento. É importante entender que esses países têm recorrido à única forma de evitar a escassez de preços administrados, ou seja, limitando a compra de máscaras pela população. Por outro lado, a existência prévia de enormes reservas de suprimentos médicos em poder dos governos e sua distribuição aos cidadãos tem permitido mitigar os efeitos dessas limitações no nível individual.
A conclusão, portanto, é que a fixação de preços máximos abaixo dos preços de mercado geralmente se traduz em escassez, a menos que sejam acompanhados de medidas de racionamento, que podem ser especialmente perigosas se não houver mecanismos alternativos de fornecimento, como a importação em massa de material.
Ao contrário, experiências como o milagre alemão mostram que a livre formação de preços em mercados competitivos pode ser um mecanismo eficiente para que os empresários conheçam as reais preferências dos consumidores, e estas as possibilidades de produção das empresas. Desta forma, a oferta e a demanda podem ajustar continuamente de acordo com a ordem de mercado espontânea, e não seguir parâmetros ditados a critério de autoridades que, por falta de informações, podem ser economicamente ineficientes.
Em qualquer caso, ambas as experiências nos mostram que será sempre necessária uma oferta suficientemente flexível para se adaptar às condições de mercado em constante mudança.
Seja através do aumento da oferta no exterior (se um controle de preços for compensado por importações massivas) ou internamente (se um sistema de preços livres encorajar a produção doméstica), a chave para evitar a escassez é que as empresas tenham capacidade e incentivos suficientes para expandir a oferta de bens e serviços quando as condições do mercado o exigem.