Brasil, um gigante com pés de barro

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Brasil, um gigante com pés de barro
Brasil, um gigante com pés de barro
Anonim

O Brasil está saindo da recessão e pode crescer até 3% este ano, mas quão forte é a recuperação? Analisamos as características dessa nova etapa da economia brasileira.

Nesses primeiros anos do século 21, o Brasil vem se consolidando como uma potência emergente, tornando-se a nona maior economia do mundo e fazendo parte de seletos grupos de países como o BRICS ou o G20. Garantindo sua posição hegemônica na América do Sul, os avanços sociais e econômicos melhoraram notavelmente a imagem do país no exterior, o que também foi reforçado pela projeção internacional que promoveu os grandes eventos esportivos realizados em solo brasileiro (mundo do futebol em 2014, Olimpíadas em 2016).

No entanto, a profunda recessão do período 2015-2016, bem como as dificuldades que acompanham a atual recuperação, levam-nos a questionar o quanto era realidade na fase anterior de crescimento. Em última instância, trata-se de analisar se o Brasil é uma potência econômica em processo de consolidação ou apenas uma gigante com pés de barro.

Como chegamos aqui?

O caminho percorrido pelo Brasil no período 2003-2015 é amplamente conhecido e já foi comentado em artigos anteriores. Em linhas gerais, o programa econômico do recém-eleito presidente Lula da Silva passou por uma revitalização da economia do país por meio de uma política pragmática que combinou o aumento da intervenção direta do Estado com a promoção do investimento estrangeiro. Aproveitando uma moeda desvalorizada, custos trabalhistas mínimos e taxas de inflação relativamente baixas, durante anos o Brasil foi o destino preferido dos investidores na América do Sul, especialmente em atividades de baixo valor agregado, como matérias-primas ou bens industriais intermediários. Por sua vez, esse influxo maciço de capital deu ao governo espaço para aumentar os gastos sociais (o que fez com que a popularidade do presidente atingisse altas recordes enquanto impulsionava o consumo interno) e para financiar empresas nacionalizadas que ainda não eram lucrativas.

O país parecia ter encontrado a fórmula para o sucesso: As exportações aumentaram, tornando os investimentos mais rentáveis ​​e atraindo capitais de todo o mundo, o que impulsionou a produção e aumentou ainda mais as vendas no exterior. Enquanto isso, o governo implementou uma política social puramente intervencionista que incluiu aumentos salariais, melhorias no sistema de pensões, maior cobertura de saúde e uma educação pública mais acessível. Tudo isso, junto com os subsídios aos preços da energia e um forte investimento em infraestrutura, não só acabou criar milhões de empregos, mas melhorou o padrão de vida de grande parte da população. Em pouco mais de dez anos, o Brasil deixou de ser o "homem doente" da América do Sul para se tornar o motor econômico do continente.

No entanto, o vento cada vez mais fraco que parecia impulsionar a economia do país carioca não escondia alguns sinais de fraqueza que se revelariam fatais no longo prazo. Em primeiro lugar, porque a chegada de capitais elevou a inflação e fortaleceu o real, o que redução gradual da competitividade das exportações ao mesmo tempo, o endividamento externo aumentou. Esse fenômeno poderia não ter ocorrido se a economia tivesse aproveitado a conjuntura favorável para se modernizar e desenvolver atividades de maior valor agregado, mas infelizmente não aconteceu: o Brasil continuou a ser em grande parte produtor de matérias-primas e o investimento em P&D se manteve em níveis insuficientes para produzir mudanças a este respeito. Ao mesmo tempo, as políticas de expansão fiscal (nacionalização de empresas, superdimensionamento da administração pública, aumento de salários acima do ponto de equilíbrio do mercado de trabalho) lentamente deixaram de impulsionar o consumo e se tornaram um verdadeiro entrave ao crescimento da economia.

Em segundo lugar, à medida que o sucesso das exportações se consolidava, o mesmo acontecia com dependência de matérias-primas e alguns bens industriais intermediários. Dessa forma, os produtos estrela do Brasil no exterior permaneceram os mesmos da época colonial (açúcar, café, ferro etc.), com exceção do petróleo. Conforme comentamos anteriormente, os benefícios obtidos não foram reinvestidos na modernização dos processos produtivos ou na agregação de valor aos mesmos. A tecnificação, por sua vez, também não foi particularmente favorecida, uma vez que o baixo custo do trabalho não gerou incentivos para substituir o trabalho humano pela maquinaria, fenômeno semelhante ao que podemos observar na Índia.

Terceiro, o controle estatal da economia também acentuou o dependência de milhões de pessoas das políticas sociais, em vez de dar-lhes oportunidades de se ajudarem. Por outro lado, esse esforço fiscal não se mostrou capaz de combater a pobreza generalizada que caracteriza o país desde a sua fundação, e até hoje o Brasil continua ocupando os lugares mais baixos nos diversos padrões de qualidade de vida.

finalmente, o surgimento de vários escândalos de corrupção Envolver funcionários públicos e executivos de empresas nacionalizadas do mais alto nível (como no caso da Petrobras) estava minando a credibilidade do país no exterior. A partir de 2016, quando o problema levou a um processo de impeachment que acabaria demitindo a presidente Dilma Rousseff, às dificuldades que a economia já vinha sofrendo somava-se a instabilidade política.

Do Brent à desaceleração da China: os motores da crise

Como já mencionamos, muitos são os fatores que fazem do Brasil um gigante com pés de barro, embora ainda haja divergências entre os economistas sobre o motivo que acabou desencadeando a recessão. Neste artigo analisaremos os cinco motivos mais citados: a queda dos preços das matérias-primas, o caso da Petrobras, a deterioração das finanças públicas, a desvalorização do real e a desaceleração da demanda chinesa.

O gráfico superior pode nos ajudar a analisar com mais profundidade a evolução dessas variáveis. Excluindo definitivamente o caso da Petrobras (cujas primeiras conclusões só foram divulgadas em 2016, um ano após o início da recessão), vemos que a variável que sem dúvida tem mais correlação com o crescimento é a preço das matérias-primas. A demanda chinesa apresenta algumas coincidências temporais, mas não em grau suficiente para garantir uma relação direta entre as duas variáveis. Por sua vez, a desvalorização do real e o aumento do déficit público parecem mais consequências (e não causas) da deterioração da balança comercial ocasionada pela redução dos preços das exportações brasileiras e a conseqüente moderação na chegada de novos capitais. .

Matérias-primas são o que marcam os ciclos econômicos no Brasil

Podemos afirmar, portanto, que o Brasil provou ser, mais uma vez, uma economia profundamente dependente de matérias-primas. Como podemos ver no segundo gráfico, há um aumento significativo de preços no período 2003-2013, com queda acentuada em 2014-2016 e uma leve recuperação subsequente: justamente os mesmos ciclos que a própria economia brasileira apresenta.

As evidências nos levam a olhar com mais ceticismo para o processo de modernização que supostamente estava ocorrendo nas últimas décadas, já que a tecnologia e a indústria ainda ocupam um lugar relativamente marginal nas exportações. Nesse sentido, talvez pudéssemos abrir uma exceção em relação aos bens industriais intermediários (com destaque para aqueles ligados à indústria automotiva), mas a conclusão permanece a mesma: as matérias-primas são o que marcam os ciclos econômicos no Brasil. O que ainda é um fator de instabilidade importante para todo o país, uma vez que seus preços nos mercados internacionais tendem a ser especialmente voláteis.

A especialização de uma economia como produtora de matérias-primas, importando produtos manufaturados, traz problemas já amplamente conhecidos. O falta de valor agregado nos processos de produção não só limita de facto o crescimento dos salários reais, mas também obriga o país a competir apenas no campo dos custos, o que mantém sempre vivo o perigo de entrar no círculo vicioso das "desvalorizações competitivas". Além disso, o sinal desfavorável nos termos de troca (ou seja, o fato de o preço dos bens importados ser muito superior ao dos exportados) torna imprescindível manter sempre um saldo comercial positivo para garantir um mínimo de estabilidade macroeconômica. No caso do Brasil, esse problema também se traduz em taxas de poupança nacional extremamente baixas, o que implica uma forte dependência do capital estrangeiro para que os investimentos continuem impulsionando o crescimento.

Luz no fim do túnel?

Economia do Brasil pode não estar superando a crise, mas simplesmente entrando em outra fase de alta do mesmo ciclo

Desafiando o acúmulo de más notícias, os últimos meses têm sido relativamente bons para a economia brasileira: conseguiu voltar a crescer em 2017 (1%) e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estima que a taxa triplicará neste ano (3% ), embora de momento as projeções do FMI sejam mais conservadoras (1,5%). Neste momento, não são poucos os analistas entusiasmados com as perspectivas de um país que já parece ter deixado para trás o espectro da recessão.

Infelizmente, também não faltam motivos de cepticismo: embora seja inegável que haja uma melhoria do quadro macroeconómico (como se pode observar numa vasta gama de variáveis, desde a aceleração do PIB à consolidação orçamental), não devemos esqueça que desde 2017 as matérias-primas com maior peso nas exportações brasileiras voltaram a registrar aumentos moderados de preços. Ou seja, a economia brasileira pode não estar superando a crise, mas simplesmente entrando em outra fase do mesmo ciclo (alta neste caso). Se assim fosse, poderíamos esperar nova recessão assim que o preço das matérias-primas voltasse a cair nos mercados internacionais, voltando ao ponto inicial.

A história mostra que nenhum país foi capaz de ficar rico no longo prazo se o crescimento não for acompanhado por um aumento gradual do valor nos processos de produção, isto é, se permanecer indefinidamente como mero produtor de matérias-primas. O Brasil não será exceção: pode passar por fases de euforia econômica seguidas de recessões severas, com PIB oscilando em linha com a volatilidade dos preços da commodities. Talvez o tempo mostre se com essa nova recuperação a economia brasileira, hoje gigante com pés de barro, é capaz de encontrar um caminho de desenvolvimento mais sustentável, ou se será apenas mais um capítulo da mesma história que vem escrevendo de tempos distantes. da colônia portuguesa.