A perpetuação do emprego precário após o Coronavirus
A deterioração do mercado de trabalho em muitas economias, embora prejudique a recuperação, oferece uma grande oportunidade para empregos precários.
Com o surgimento do Coronavírus, em um contexto em que essa pandemia se comporta como um verdadeiro cisne negro, muitas são as incógnitas que permanecem no horizonte, assim como muitas dúvidas sobre qual será o impacto de uma crise de tal magnitude sobre uma economia que, já antes da situação provocada pelo vírus, apresentava grande deterioração e desequilíbrios estruturais que era necessário enfrentar.
Como muitos economistas concordaram, a situação é bastante complicada e recuperar a normalidade anterior não será fácil. Mas, se concordam em algo, é que esta crise deixará duras consequências em muitas economias que, devido à situação, terão de ser reconstruídas, bem como com modelos diferentes dos anteriormente aplicados.
Entre essas incógnitas, a preocupação de muitos economistas é o grau de deterioração que certas economias irão experimentar. Não estamos falando de uma situação em que o impacto da dita pandemia seja simétrico, nem de uma situação inicial em que todos os países afetados pelo Coronavírus tivessem os mesmos recursos. Desigualdades estão presentes no planeta e esta crise os deixou nus, demonstrando grande vulnerabilidade em economias que, devido à sua situação, não estão preparadas para enfrentar uma crise como a atual. Assim, nem enfrentar, com recursos próprios e unilateralmente, os efeitos de uma crise que, tendo em conta a história recente, não tem precedentes para fundamentar uma estratégia com um certo grau de confiança.
A situação que se apresenta, como dissemos e vale a pena a redundância, é uma situação, no mínimo, complicada. Situação que todos os países afetados pelo vírus devem enfrentar, mas à qual terão que responder com medidas eficazes. E é que, como comentamos, as desigualdades que o planeta apresenta ao analisar os países em contraste são muito visíveis; Além disso, esses níveis de desigualdade, sendo esta a preocupação de muitos economistas presentes, podem se agravar, gerando uma desigualdade crescente e estrutural, que se perpetua em algumas economias, apesar da dissipação da crise viral.
Uma situação à qual devemos estar atentos, cujo objetivo é poder recuperar as economias o mais rapidamente possível, bem como melhorar o modelo econômico que, a priori, elas apresentaram.
Desemprego: a ponta do iceberg
Após o surgimento do vírus em muitas economias, o alto índice de contágio que vinha apresentando, bem como os efeitos que o vírus estava tendo na população, obrigaram muitos dirigentes a optarem por bloquear toda a atividade que estava acontecendo nos respectivos países. , sendo esta a principal medida de contenção do vírus.
Esta situação conduziu, muito rapidamente, ao que se denomina de choque de oferta, provocando a impossibilidade de abertura de negócios, bem como a capacidade de desenvolver qualquer atividade económica possível nos países onde o vírus estava presente. Desta forma, e, por outras palavras, aplicando medidas de distanciamento social que, paralisando toda a actividade económica em funcionamento no país, bem como confinando os cidadãos nas suas casas, pretendiam conter um surto viral que, À medida que os dias passou, espalhou-se pelos diferentes países a um ritmo muito acelerado.
Assim, com o bloqueio da atividade económica, muitas empresas foram obrigadas a encerrar; levando consigo os funcionários que, na época, estavam operacionais.
Além disso, aqueles que não encerraram e puderam continuar a operar, num contexto globalizado e onde os países são cada vez mais, economicamente falando, interdependentes, não puderam continuar com o seu dia a dia. Visto que, embora existissem países que pudessem continuar sem aplicar medidas de distanciamento social devido à baixa presença do vírus no referido território, a globalização econômica e o bloqueio vivido pelas principais cadeias de valor mundiais ocasionaram uma escassez de lojas, obrigando ao fechamento por incapacidade de substituir sua mercadoria depois de vendida ou obsoleta.
Toda essa situação obrigou os países, bem como os agentes econômicos que atuam na economia global, a tomar medidas para conter a perda de capital que esse vírus neles causou.
Para tal, e sem actividade económica que os apoiasse, uma das medidas mais adoptadas pelas empresas do planeta foi o despedimento daqueles trabalhadores que, face à impossibilidade do referido vírus de continuar a desenvolver a actividade que desenvolviam, se viram obrigados a vá para o desemprego. Pois bem, se estas medidas não fossem adotadas, a empresa, num cenário tão incerto e em que se desconheciam as datas de retoma da atividade económica, poderia ter sofrido uma descapitalização que, em vez de a obrigar a despedir determinados trabalhadores, teria forçou-o a fechar. Tudo isso, com a conseqüente perda de capacidade produtiva que isso acarreta.
Portanto, e voltando ao início do artigo, é muito importante lembrar que estávamos falando de países que começaram com grandes desequilíbrios e assimetrias que os tornam diferentes uns dos outros. Neste sentido, os desequilíbrios que, tal como os níveis de emprego, já preocupavam os organismos internacionais, e que agora, face à nova situação e ao maior agravamento suportado pelos efeitos do Coronavírus, preocupam mais. Pois bem, estamos a falar de países que sofreram elevados níveis de desemprego e que, depois da situação acima descrita, são obrigados a suportar um nível de desemprego mais elevado, bem como um agravamento deste nos próximos anos.
Além disso, em países como a Espanha, por exemplo, a destruição de postos de trabalho tem se concentrado em determinados setores que, devido às suas baixas qualificações, bem como à sua incapacidade de se adaptarem ao novo contexto, foram obrigados a parar de trabalhar, causando despedimentos forçados em certos comércios. A incapacidade de adaptação de determinadas atividades ao teletrabalho obrigou os empregadores a cederem aos custos que, sem gerar retornos para torná-los sustentáveis, continuaram a sufocar e a consumir os recursos das empresas.
A possível perpetuação do emprego precário
Nos últimos anos, após a situação que vem ocorrendo no planeta e em decorrência, em parte, da última crise ocorrida em 2008, muitos economistas concordaram que, diante do medo de uma nova crise e diante da situação experimentado pelas empresas em crises anteriores, o emprego nestas sofreu uma mudança notável. Nesse sentido, estamos falando de uma mudança em que o mais significativo tem sido a qualidade do emprego após a crise ocorrida. Qualidade de emprego que, face ao receio dos empregadores de se encontrarem em situação semelhante, se deteriorou, ao mesmo tempo que surgiam novas empresas que, face a tal situação, tornavam aquele precário um novo normal de emprego.
Estamos falando de empresas para as quais até mesmo um conceito foi criado, que tenta enquadrá-las dentro do que os especialistas chamam de “economia de gig”.
Esta nova forma de criação de emprego, como dissemos, data de há pouco mais de uma década, onde, com o advento da crise económica, o mercado de trabalho sofreu uma revolução da qual surgiram novas formas de contratação alternativas à contratação tradicional. era conhecido até agora. Novas formas de contratação em que a flexibilidade e a comunicação 'online' são os pilares básicos para o seu funcionamento; pilares que, justamente, ocorrem no cenário atual. Além disso, a realocação, ou seja, a possibilidade de trabalhar para um empregador que está a milhares de quilômetros de distância é outra das características da 'gig economia', característica que, da mesma forma, coincide com a nova normalidade deixada pela COVID -19.
Assim, as empresas que baseiam seu modelo neste sistema têm crescido exponencialmente nos últimos anos. A empresa McKinsey cita em um relatório que entre 20% e 30% da força de trabalho nos Estados Unidos e na Europa participa ativamente em diferentes graus da “economia de gig”. Estas empresas, aproveitando situações em que os níveis de emprego - após a Grande Recessão - se encontravam muito degradados, conseguiram identificar um nicho de negócio para se instalarem. Um nicho de negócios em que, justificadamente e atendendo a certos critérios e algumas lacunas jurídicas que no papel pareciam muito boas, começou a gerar uma grande quantidade de empregos precários e que, hoje, se tornaram uma verdadeira alternativa de trabalho, dada a grande carência de oportunidades apresentadas pelas economias. Empregos precários que, hoje, ocupam inúmeros jovens universitários - e não tão jovens - que, como se fossem autônomos, cumprem jornadas de trabalho muito mais longas, com salários que, ao contrário, são substancialmente inferiores.
Essa é uma das grandes preocupações deixadas pelo Coronavirus. Num contexto em que contratações e serviços específicos poderiam ser uma alternativa extraordinária para atingir um grau de adaptação que nos permite manobrar em situações de extrema incerteza como a actual, poderíamos estar perante uma maior expansão deste tipo de empregos nas economias que , como as economias da América Latina, são mais vulneráveis à destruição de empregos devido ao COVID. Ao mesmo tempo que apresenta, é preciso dizer, níveis de desemprego geral e juvenil superiores aos de outros países que, como os Estados Unidos, compensam essa situação com uma oferta crescente de empregos para atender à demanda de trabalho.
E é que, uma crise como a atual, em um cenário em que o emprego não experimentou recuperação após a última crise, pode perpetuar a má qualidade do emprego nas economias que, levando em conta a situação anterior ao Coronavírus, tiveram um alto nível de desemprego. Isso, levando em consideração que se trata de uma grave deterioração, preocupa muitos economistas. Pois bem, perante uma situação como a actual, em que duas crises atingiram todas as economias nos últimos 20 anos, é particularmente preocupante. Pois, se não começarmos a estimular a economia de forma a reativar o emprego, a desregulamentação do mercado de trabalho e a grande flexibilidade que ele precisa para poder criar empregos, e que é cada vez mais intensa, podem nos levar a situações em que o emprego precário passou a ser mais uma consequência da nova normalidade que começa a perpetuar crise após crise.